Quase que tive a certeza que me apaixonei entre um som e uma nota. Quando olhei e vi aquela sombra debruçada sobre cada tecla do piano senti como que uma brisa a passar-me pelas mãos e a soprar-me pelo rosto, num tom fresco e repleto de aromas. Dediquei-me a contemplar as mãos delicadas e marcadas pelas cordas a passarem as pautas.
Lá fora o dia era ameno e seco, rasgado pelo assobio do vento a passar por debaixo da porta da Fábrica do Braço de Prata. Soava o piano, em jeito sereno, e o choro do violino em tom contemporâneo. Os olhares da assistência cobriam o palco e nesses instantes permiti-me seduzir o "virador de páginas" com um olhar cúmplice. Deixei-me sonhar com um ramo de túlipas roxas e uma chávena de chá de lucia-lima ao final da tarde, o meu favorito. Deixei-me sentir o cheiro a chocolate e a mentol e um toque a mel de jasmim. Vesti o vestido purpura e enchi dois copos com vinho lambrusco. Na mesa, em tons pastel, queimei um incenso de alfazema e deixei o cd tocar baixinho.
Afinal de contas tudo era possível. Enquanto as notas soltas preenchiam aquele momento de magia e serenidade. "Só consegui ouvir o barulho dos teus sapatos", disse.
É bom saber que o barulho ainda te irrita.
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