..."Passados uns tempos, todos os lugares parcem iguais. (...) Não é inteiramente verdade. Os lugares têm a sua própria personalidade, e regressar a uma cidade onde já se viveu é como voltar à casa de um velho amigo. Mas as pessoas começam a parecer todas iguais: as mesmas caras reaparecendo em cidades a mil quilómetros de distância, as mesmas expressões. O olhar inexpressivo e hostil do funcionário. O ar curioso do camponês. Os rostos monótonos e indiferentes dos turistas. Os mesmos amantes, mães, pedintes, aleijados, vendedores ambulantes, praticantes de jogging, crianças, policias, taxistas, chulos. Passados uns tempos começamos a sentir-nos ligeiramente paranóicos, como se essas pessoas nos perseguissem secretamente de uma cidade para outra, mudando de roupa e rostos mas permanecendo basicamente sd mesmas, prosseguindo as suas tarefas com um olho mirando-nos de soslaio, como intrusos. Ao principio sentimos uma espécie de superioridade. Somos uma raça à parte, nós, os itinerantes. Vimos e vivemos muito mais do que eles. Contentes por levarem as suas vidas tristes num ciclo infinito se sono-trabalho-sono, a cuidar dos seus jardins cuidados, das suas casas suburbanas todas idênticas umas às outras, dos seus pquenos sonhos, e olhamo-los com desdém. Depois, passados uns tempos, vem a inveja. Da primeira vez, é quase divertido: uma picada súbita e forte que ddesaparece quase logo. Uma melhor num parque, dobrada sobre uma criança num carrinho, ambos os rostos iluminados por algo que não é o sol. Depois vem a segunda, terceira vez: dois jovens na marginal à beira-mar, abraçados; um grupo de empregadas de escritório no seu intervalo de almoço, rindo-se por entre café e croissants...não demora muito até que a dor se torne constante. Não, os lugares não perdem a sua identidade, por muito que se viaje. É o coração que começa a corroer-se passado um tempo. O rosto no espelho de hotel parece turvo em certas manhãs, como que devido a demasiados olhares casuais. Às dez os lençois são mudados, a alcatifa aspirada. Os nomes no registo do hotel mudam à medida que passamos. Não deixamos qualquer traço da nossa passagem. Tal como os fantasmas não projectamos sombra." (Joan Harris, O Chocolate)
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Faço dela, se for possivel, as minhas palavras...Não tenho sombra por aqui...será que um dia vou poder dizer que este é um lugar a tantos outros? ou sou eu que vou mudar? *Estrelinha*
1 comentário:
Vejo que o livro que te dei está, pelo menos, a fazer-te companhia. Mudamos um bocadinho todos os dias, isso não é necessariamente mau... "Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."
("Antoine de Saint-Exupery"). Esse lugar vai ser sempre teu, de uma maneira diferente de todas as outras pessoas que o consideram delas, porque, por instantes, mesmo que breves, também esse cantinho partilhou os teus dias... tão diferentes ou tão iguais da multidão que por ti passa.beijao grande
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