terça-feira, 8 de janeiro de 2008

MJ


Acho que tenho de escrever sobre isto. Afinal de contas estas linhas da escrita são sinceras. Perdi a conta às vezes que começei a escrever um momento sobre este assunto. "Hoje apetece-me..." e daí para a frente apenas me saíam palavras soltas e conceitos mais do que repetidos. Digamos que tem sido um assunto tabu e abafado pelas boas intenções das amigas e dos demais.


Lembro-me que recebi a notícia numa mensagem ('em actualização' aparecia no visor). Era uma mensagem comprida. O E. deu-me a boa nova. Estava na Póvoa do Varzim. Longe da minha casa, dos meus amigos, longe. Estava noutro trabalho. Noutro sítio. Noutra roupa. Li e reli. Toda a gente sabia menos eu. Até a N. "Não sabia como dizer". Passei a mão pelo o rosto e não pensei duas vezes. Não pensei, quase que desacreditei. Foi difícil, diria até a prova mais dura de todas. Nunca a distância, as palavras amargas, o desrespeito ou outra forma de insensatez me foi tão díficil. Soube a acre. Soube a desalento e a "nunca mais". O coração ficou mais pequeno. Reduzi-o a uma simples forma vermelha que dizem que bate a cada segundo. Doía-me a cabeça. Os dedos e a alma. Doía-ME. Queria sentar-me nalgum sítio e chorar. Apertar com a força que nunca tive.

Respirei fundo. Estava a trabalhar e o momento era de responsabilidade. Não consegui por muito tempo, é verdade. Tudo se pintou de negro e o caminho parecia não mais acabar. Consegui conduzir até Lx. Viemos animadas. Cantámos. A C. deu-me a mão e a voz da C. juntou-se à minha. Chovia. Chovia muito. Um risco, conduzir num dia como aquele. O céu chorava as lágrimas que não pude chorar.


Entrei no QV e senti o desalento de não saber para onde ir. O rádio tocava uma música banal, creio. 20, 30, 50, 80. Tive de parar. Foi díficil. Explicar porque me doía. Onde me doía. Tudo se tornou muito mais pequeno. Não cabia na roupa, no quarto, no mundo. Tudo seria mais fácil se não houvesse amanhã. Dormir não estava nos meus planos. O silêncio não me permitia. Sonhava em voz alta, desesperada de rancor.


Sobressaltada pelo soluçar do desencanto, ergui a cabeça. Passaram-se os dias e os meses com a conta certa. Amei e desamei, ao sabor do ditado "incha, desincha e passa". Tentei apagar as memórias porque já nada valia a pena. Ou talvez valesse.

Toda a gente sabia menos eu. Todos sabem mais que eu, acho. A mim cabem-me os sonhos e as premonições. E as notícias amargas. Uma casa, uma vida a dois e uma nova vida irreparável. Difícil para quem sempre o desejou para si. E para quem sempre imaginou o impossível.


Lembro-me do dia em que o conheci. Trazia umas calças claras, uma sweat quase até aos joelhos e o cabelo espetado. Era Outubro de 99. Gostava de Korn. Fumava e usava spikes. Nunca tinha dinheiro. Gostava de ser da turma de desporto, mas acabou na da informática. Tinha uma mala castanha da Nike, que arrastava pelos corredores. Não gostava de estudar. Tinha uma namorada francesa. O telemóvel era rasca e tinha um visor cor-de-laranja. Ria-se alto e fazia trinta por uma linha. Metia-se com os professores e até, com a professora de educação e moral, freirinha. Sentava-se no último banco do autocarro e implicava sempre com o motorista. Os ténis eram largos e quase rotos. Os bolsos eram nos joelhos e sempre vazios. Adorava comer porcarias. Hamburgers no tasco. E beber umas cervejas. Era guloso. Gostava de paninis e pastelarias frescas. Tinha sempre pastilhas. E lenços de papel. Tinha sempre o pingo no nariz, dizia ele. Tinha um cachecol às riscas castanhas e laranjas. Era da mãe. Usava-o quase a tocar o chão. Tinha amigos que vestiam preto e usavam pulseiras de bicos. Nunca andava sozinho. Gostava de saltar a fila do almoço e brincar com a comida. Fazer bolinhas com os guardanapos para atirar ao colega da frente. Tentava sempre comer mais uma sobremesa. Nunca estava a horas em lado nenhum. (...)
Foi assim que me apaixonei. sem motivo aparente, dizem os mais sábios. Cresceu e cresci com ele. Trocámos promessas. Fizeram-se promessas por nós.

Aliás, acho que nunca cresceu. Agora terá de crescer necessariamente. Queria ter crescido com ele. E dizer-lhe que não vou estar nesta etapa. E dizer-lhe até o quão difícil tem sido. E pedir-lhe para fazer as coisas bem e da melhor forma. Para ser um homemzinho. Para vestir o papel de p. de forma digna. Para, pelo menos, assentar. Ainda que me custe aceitá-lo. Um dia disse, em tom de brincadeira, "pareces um pombo, de anilha posta no dedo". Rimos que nos fartámos. Ainda não tinha crescido.

A
cho que desta vez te caçaram, sonhador.

3 comentários:

BettyBoop disse...

Li e senti a tua mágoa, mais uma vez. Mas por aqui tocou-me de maneira diferente, mais organizada. Há palavras que escritas são tão mais fortes que ditas. E raciocínios que só fazem sentido lidos, nunca ouvidos.
Um beijo terno na testa.

Anónimo disse...

Hoje estou aqui, mas sei que só cheguei ontem e amanha já cá não vou estar.

Gosto de poder sentir essa energia bem de perto, ouvir a correcção e contribuir com algo positivo.
Aceitar o ontem e nunca tentar questiona-lo…. Afinal eu não estava cá

Anónimo disse...

Toda a gente sabia menos tu... mas hoje, acho que podes perceber o dificil que foi para mim dize-lo... as vezes que tentei dizer, e acabava por desistir. Sei perfeitamente o que sentes, pois cresci com ele desde miudo...
Mas também sabes, mais que ninguém, que entre nós vai permanecer a enorme amizade que cresceu ao longo dos anos...
Beijo enorme