quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Amor Público


Amanhã faria precisamente um mês de absentismo meu por estas bandas. Hoje resolvi quebrar a longa ausência para bradar aos céus o meu eco. Hoje resolvi contar uma história, a nossa história.

Disseste-me um dia que pensaste várias vezes que eu era "areia a mais para o teu camião". Por isso, não ousaste imaginar que eu pudesse olhar-te, de verdade. As constantes abordagens sempre com o mesmo cognome - cara colega - foram, talvez, a ponta do novelo, que se foi desenrolando muito lentamente. Não me lembro qual o momento preciso em que olhei para ti daquela outra forma (e passei a ver não apenas um simpático rapaz com queda para comediante, mas também um menino timidamente apaixonante com os olhos cor de mel mais pestanudos da escola)... mas lembro-me como se fosse ontem de ter ido de propósito ao campo, num dos curtos intervalos, só para te desejar boa sorte para um insignificante jogo de futebol. Cativaste-me algures entre um sorriso, uma piada e um piscar de olhos.
Ainda longe de entrarmos na frequência um do outro, usámos a propagação das ondas magnéticas do SMS para declararmos a nossa intenção de aceitar o desafio. O nome que piscava no visor do telemóvel? Caro colega, ora. Até hoje. A meio da tarde do primeiro dia das férias de Carnaval do ano 2000, eu em minha casa e tu na tua, clicámos no "enviar" em simultâneo. A conversa desenrolou-se e tu, a confiar de novo da telepatia, ousaste: "queres ser a minha Julieta?" Haveria forma mais romântica e ternurenta de dois principiantes se declararem? Rendi-me.
Tudo o que veio depois foram histórias. Muitas. E com elas, sorrisos, promessas, estreias, choros, angústias, saudades, risos, sonhos, partilhas, cumplicidade, segredos, mágoas, palavras certas e erradas... e flores, vermelhas, amarelas, em ramo ou solitárias, compradas ou roubadas do jardim das vizinhas. Sempre me deste flores. E eu guardei-as quase todas, sabias? Estão junto às outras recordações: a primeira foto, os bilhetes de cinema e dos festivais, de comboio e das inúmeras declarações de amor que eu te escrevia, à moda antiga.
Sei que não gostas de recordar. Ou pelo menos não gostavas. Acabavas sempre com a minha felicidade nostálgica de lembrar velhos momentos. "Isso era noutros tempos. Éramos pequeninos, namorávamos há pouco tempo", dizias. Lembras-te quando te disse Adoro-te pela primeira vez? Ou quando me chamaste tortinha de azeitão? O dia em que te disse que estava de novo a apaixonar-me por ti? O beijo roubado antes de ir para a Bélgica? As confissões que te fizeram correr para minha casa para, em jeito ou não de vingança, me largares uma bomba no colo? O encontro imediato no comboio no dia em que tinhas o teu último exame da faculdade? ... estes momentos perdem-se no meio de tantas outras primeiras vezes, palavras ou situações marcantes.
Também me disseste um dia que nunca escrevi sobre ti no Blog. Que nós as três, parecia que tínhamos a regra inquebrável de não falar dos namorados. Tal regra nunca existiu, mas a verdade é que não é fácil o Amor Público. Fácil é deixá-lo cair na ligeireza, quando tentamos montar palavras e cruzar frases compostas. No entanto, aqui estou eu hoje a fazer parágrafos e mais parágrafos que não contam nem um quinto dos nossos minutos partilhados, mundos conectados. Mas a intenção é mesmo essa: expressar apenas o expressável. O resto, o âmago, essência e alma, fica nas entrelinhas. Nas minhas e nas tuas.
Oito anos passados e dois ou três interregnos, uns maiores que outros, ainda me chamas nomes esquisitos. Ainda dizes que estou sempre bonita e que gostas dos meus dedos feios, dos pés e das mãos. Nunca deixaste de me olhar com olhos de apaixonado e nunca desististe de nós. Ao contrário de mim. Acreditaste no impossível, erraste muitas vezes e soubeste, no momento certo, dizer "estou pronto".
Estás. Podemos continuar de corações emparelhados e mãos entrelaçadas. E hoje, sem tantos medos, podemos olhar ao longe e ver-nos lá. A preto e branco, sépia ou impressa em papel mate, a fotografia agora já não me aparece desfocada...


quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Final de tarde.


Diria até cumplice. Encontrámo-nos como de costume em frente ao Campo Pequeno, com o dourado do por do sol a raiar por entre as torres da Praça de Touros. Cruzámos Lisboa, distraídas pela azáfama disfarcada de meia cidade em férias. Longe da redacção e do escritório a solo foi bom entregarmo-nos à futilidade do final de tarde sem nada marcado.
Queríamos apenas ir às compras, arranjar as unhas e passear um quase nada. Fácil, para quem o lugar ou o tema não são desconcertantes. As conversas sem muita profundidade, para o que é costume, souberam bem. Gosto disto, preciso daquilo, não posso comprar isto, reclamámos com ironia. As prateleiras do supermercado são boa companhia para os desabafados de duas donas de casa em véspera de férias. Trocámos alguns palpites e planos para o fim-de-semana e mais uma vez chegámos a conclusão (cada uma à sua maneira) de que de facto, fazemos muitas coisas juntas. Até filosofamos sobre o preço do pacote de massa tricolor.

(...)

Acabámos a saborear queijo chévre, coberto de doce de morango. E porque não um copo de vinho tinto? Quase que me senti crescida quanto fizémos um brinde a nós...numa espécie de desdém pelos demais. Foi talvez uma cerimónia, sem lugar para sentimentalismos. Ou até um hino à amizade!

Gostei muito deste bocadinho, dissémos.

Bocadinhos destes, sempre.