terça-feira, 29 de abril de 2008

Sim!


"Vocês também são de CC?", lembro-me do dia em que a vi pela primeira vez. Sentada no vão da escada na torre da FCSH. Vestia tons de castanho e trazia qualquer coisa presa nos caracóis dourados. Era quase inverno e estava atulhada de casacos e cachecois, não fosse uma alentejana friorenta. Daí a trocarmos conversas banais e apontamentos de faculdade, foi um nada, qual gesto insignificante quando penso no que temos hoje. Trocámos uma jura de amizade. Acho que no dia em que fomos para a covilhã, no carro da Carolina, a dizer disparates que nunca mais acabavam. Rimos e quase chorámos quando demos de caras com um hotel saído de um filme de terror!

Depois trocámos mensagens, jantares, fatias de pizza e papas de abóbora à quarta-feira. Lembro-me do dia em que nos confidenciou que tinha mentido aos pais para ir ter com o C. pela primeira vez. Actuação da tuna. E foi debaixo de uma capa de encantos e muito amor que o C. a levou. Conquistou-a com um sorriso e com um"gosto de ti, trigueirinha". As amigas, numa espécie de união mosqueteira, sempre enrrugaram a testa. Dizíamos que eram diferentes, que nunca iria funcionar e que não havia amor que sustentasse as diferenças. Ela adorava dançar no rancho e ele cruzava os braços nas festas da aldeia. Ela gosta de ouvir músicas pop, ele de fado e música clássica.

Passaram-se cinco anos. As amigas continuam a enrrugar a testa, quase por pirraça. Porque a L. talvez seja a mais encantada de nós as quatro. Porque gosta da história do Peter Pan e das histórias de adormecer. Porque usa flores no cabelo e não veste nada que não esteja a condizer. Não larga o telemóvel, é verdade. Mas nem por isso deixa de sonhar. Sonha muito e vê em cada um gesto um sinal. Usa o mesmo perfume há anos e sempre que o sentimos, dizemos em coro: "Cheira a L.".

Lembro-me do dia em que caiu das escadas. De quando o telemóvel foi atropelado três vezes. De quando tocámos a campainha da travessa Henrique Cardoso. E rimos. Rimos. Sempre foi a mais séria. Nos jantares, era sempre ela que dizia "escolham vocês". Não a condenamos por isso. É a L., explica a Carolina.

Criámos uma espécie de namoro eterno. E talvez por isso me tenha sentido traída no dia em que disse "sim!" Senti que alguém a roubava de nós. Que nunca mais ía ser como antes. Que tonta! Quase chorei quando recebi a mensagem.

Quis dizer-lhe que estava muito feliz. Mas quase me esqueci de dizer*

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Nessa direcção

Como se fosse um cruzamento sem prioridades. Lançei-me neste trilho, sem olhar para trás. Ou talvez, sem olhar para a frente. As marcas de um caminho já mais do que pisado pelos outros conduziram-me a este passo sem destino marcado. A uma página nova, sem linhas por apagar, sem cheiro a memória, sem vestígios de páginas arrancadas. É como se fosse uma história intacta, quase intocável, mas outrora vivida.

Existe alguém a contar-me esta história. As palavras são outras e o jeito nas entoações dá-lhe uma cor diferente. Dá-lhe a cor da cor. E foi pelos sussurros dessa história por contar, lida nas entrelinhas dos sorrisos, que me deixei levar. Uma maneira desconcertada de colocar as palavras e as pausas soou-me a encanto. Sem pausas talvez. Soou-me a canto de sereia, escondido por entre o toque firme com que me segura a mão.

"Então?" pergunto vezes sem conta. Como quem pergunta à vida: "para onde vamos?" talvez porque tenho sede de ir a qualquer sitio. De ir aquele lugar que nem todos têm a oportunidade de conhecer.

O lugar das paixões, da mão na mão, do beijo no meio trânsito, dos passeios na areia, dos abraços inoportunos, das festas no cabelo, das gargalhadas destemidas e dos segredos a dois.

Vou nessa direcção.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Palmas.

Foto:DR

A vida devia ser como um bailado.
Um palco de luzes ora acesas, ora apagadas, ora em lusco-fusco, e corpos a deslizar pelo chão preto, agarrados uns aos outros, confiantes.
Os movimentos certeiros a imitar qualquer coisa que cada um associa à sua maneira e os mais improvisados, que suscitam sempre formas "efabulativas". Os braços recebem o peso inerte do corpo que parece uma pena. No instante seguinte, empurram-no para longe como se rejeitassem o contacto demasiado próximo. E é neste jogo de vaivém que se desenrola a história, marcada por abraços e empurrões, movimentos suspensos e repetitivos.

*
Ontem li liberdade em cima do palco.
O violino marcou a cadência de cada bater do coração. Meu e dos bailarinos. A música enrolava os corpos, embalava os gestos e rompia as respirações. O Front Line rezava assim, solto e livre, descompensado e desequilibrado. Apenas em harmonia com os instrumentos de cordas. O toque duro do pé contra o tapete negro contrastava com os agudos das violas. Numa espécie de cantiga entrecortada.

Depois veio a Paixão. O Medo.
Dois corpos que se entrelaçavam e surgiam num só, como figuras do mesmo molde. Movimentos aguçados e ternos, violentos e doces, tal e qual a linguagem dos amantes. Primeiro sem música, no silêncio da desconfiança. E depois com ritmo, embalados pela emoção. Dois pesos, um (con)tra o outro, um em face do outro, quentes, pegados - Lento Para Quarteto de Cordas. Uma história de amor como tantas outras, onde coube a paixão arrebatadora, o encanto, a confiança, o medo, o arrependimento, a alegria, o conforto, a idolatria, o sorriso, a solidão, a dor, a felicidade, a alma...

No final, a liberdade em jeito de loucura.
Gestos descoordenados, insanos e descontrolados apoderavam-se dos grupos que mostravam, cada um, a sua visão da história. A Cantata misturava-se com os sons dos corpos a escorregar e a rebolar no chão, a combater a lei da gravidade, a lutar por um lugar no seio da dança. Todos parecem não se importar com a distância que aparentam da normalidade. Todos cambaleiam, a fugir do poço e a precipitarem-se na falésia. Devaneios que nos fazem sentir livres. Até para ser loucos...

É também na dança que vivem os sonhos.

Companhia Nacional de Bailado
Front Line, Henri Oguike
Lento Para Quarteto de Cordas, Vasco Wellenkamp
Cantanta Mauro Bigonzetti
Teatro Camões


Cara de Chocolate

Faço cara de chocolate quando sinto o aroma fresco a morangos. Quando sinto o calor da Primavera a percorrer-me as intuições; quando, deliciada, comtemplo a vista da minha janela; quando me deito na minha cama de dois metros; quando sinto o vento quente a bater-me no rosto; quando, ressentida, me sento no sofá a ver horas de CSI; quando oiço a voz da minha mãe ao telefone; quando recebo novidades das amigas; quando saio do trabalho; quando vou às compras ao Sá; quando partilho os segredos com a L.; quando abro a página do livro que estou a ler; quando desligo o computador; quando oiço o rádio a tocar bem alto; quando penso no pequeno L.; quando vejo que a minha irmã cresceu; quando atravesso a ponte para visitar a minha tia; quando vou a caminho de minde; quando saboreio as comidas da avó; quando olho para a minha parede verde e beringela e sobretudo quando estou feliz.

Cara de chocolate.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Alteração da hora

Porque muda a hora? Porque adiantamos a nossa vida uma hora? E ainda porque demoramos a adaptar-nos a este novo horário? O sol nasce mais tarde e termina onde todos os dias se deita, no leito da maresia, embalado pelo adormecer das estrelas. A lua esconde-se por entre o sol azul da Primavera e alguém pinta de cor-de-laranja o horizonte. Vemos, como quem comtempla um punhado de areia a esvair-se por entre os dedos da mão, os raios de sol a treparem as montanhas e a desaparecer por entre o amanhã que nunca mais chega.

Acordamos com a luz a abrir-nos os olhos e olhamos para o despertador com descrédito. Parece até que somos mais felizes quando a hora muda. Na verdade, quando adiantamos a hora temos a tendência para pensar que andamos para frente com a vida.

Custa-nos habituar à ideia e até quem não consiga recuperar o sono. Isto tudo porque alguém nos disse "no domingo, muda a hora". Quem sabe se há muito não tinha, eu própria, definido um adiantar no relógio da vida?! Limitei-me a mexer nos ponteiros, quase contrariada. A andar para a frente com o tempo.

Quase que ouso dizer que há muito que desejei uma mudança no meu tempo. Que durante muito tempo olhei para o relógio e pensei "quando será que vou mudar a minha hora?". Se dependesse apenas de uma mudança nos ponteiros...seria mais fácil.

Chegou a Primavera e os encantos. E com ela o aroma das flores, as andorinhas, as roupas leves e a paixão.

Quando é que foi?


Quando é que (achámos que) crescemos o suficiente para deixar de fazer perguntas?
E porquê? Teremos mais medo das respostas do que quando éramos pequenos? Teremos receio de passar por burros ou ignorantes? Será que achamos que no alto dos nossos anos de vida ganhámos (ou perdemos?) a ideia de que temos de saber tudo de antemão?
Às vezes era bom sermos novamente olhados como crianças a quem é dada a possibilidade de perguntar seja o que for. E principalmente porque perguntam sem constrangimento, sem medo da pergunta que vão fazer.
É isso que nos falta mtas vezes, "coragem" para fazer as perguntas que queremos. E porque não temos de saber tudo, é bom continuar a perguntar. Pode ser que assim tenhamos as respostas, talvez não as que queremos, mas as que precisamos.