quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Um sonho.

Nunca havia sonhado em ter um casa em frente ao mar. Sei que o sonho de ter uma casa só para mim era antigo, desde o primeiro dia em que vim para Lisboa. Queria ter um espaço para por as minhas coisas, para estar à minha maneira e nas cores que desejasse. Queria uma casa. Nas Olaias de preferência, dizia eu. Nunca sonhei fora de Lisboa.

É certo que havia coisas que sabia de cor na minha lista de - Coisas a evitar: não podia ser um rés-do-chão. Não podia ser num prédio do século passado, muito menos num bairro histórico (não teria paciência para arrumar o carro estrategicamente todos os dias). Não poderia ter divisões interiores. Eu sei lá. Contactei demasiadas imobiliárias. Alguns agentes até ficaram meus amigos, fãs da minha indecisão. Desta gosto, mas é muito cara. É bonita, mas não tem lugar para o meu QV. É pequena. Cheira mal, dizia eu. Fui comprando sonhos a vulso: uns copos vermelhos e até um açucareiro. Sabia que um dia alguém me iria ouvir e sonhar comigo.

Esse alguém foi o meu avô. Feitios à parte, agarrou o meu sonho com unhas e dentes, debaixo daquela garra que o caracteriza e olhou comigo páginas de classificados que nunca mais acabavam, catálogos de casas penhoradas e até fotocopias ampliadas de mapas tirou. Foi aos bancos, falou com advogados e com muitas pessoas entendidas na matéria. "vamos fazer isto da melhor maneira,filha", dizia em tom condescendente. Depositei nele uma confiança, como nunca havia depositado, nem mesmo quando divia a perna direita com a minha prima S. Sabia que não iria voltar com a palavra atrás e isso dava-me vontade de continuar a procurar até encontrar "a minha casa".

Os entraves burocráticos foram vários, é certo. Opiniões a mais, apenas para quatro paredes, tornaram as coisas mais difíceis. "Contingências", dizem os mais letrados. O meu avô lá de cima deu o empurrãozinho que faltava, tenho a certeza.

Queria sobretudo fazer as coisas bem e, acima de tudo, decidir bem.
(...)

Será em frente ao mar. Como um dia sonhou a minha mãe. Terá uma parede verde e beringela e muita luz. Não vai ser em Lisboa, é certo, mas a cidade está ali ao lado. Tem um lugar para o QV, bem junto à porta. É à minha medida. E acima de tudo - vai ser minha.


Obrigada por sonharem comigo.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Mi casa es nuestra casa!

Houve de tudo neste último encontro Sexo e a Cidade. Mais do mesmo e novidades quentinhas, com outros rituais à mistura. A meu pedido, o local foi a minha casa e a pedido da Laura, juntamo-nos para almoçar e não jantar.

Apesar de no início não ter conseguido disfarçar um arrufo com outras gerações, depressa me arrancaram sorrisos e gargalhadas das grandes. Tudo se passou entre a minha cozinha e minha modesta sala. O menu foi escolhido a dedo: fondue com molhos deliciosos, muita fruta, arrozinho e, claro, salada com tomate chery. Já com os acompanhamentos feitos/cortados/no lugar e depois da peripécia de não conseguirmos acender a lamparina do fondue - porque a dona da casa não tinha fósforos - e da querida vizinha nos ter ajudado, passamos ao manjar. Coisa que durou uma eternidade. A carne demorava a fritar, dando-nos tempo para os famosos entreolhares de mil e um significados e aquelas confissões que nos assaltam entre fortes gargalhadas.

Mais uma vez confirmamos porque é que cada uma se assemelha tanto às personagens nova-iorquinas da série. Mais uma vez colocamos o melhor de cada uma na conversa, nos paladares, nos sabores, na atmosfera, em cima da mesa, a lavar a loiça, a limpar a camisola - com o pano amarelo não! que deixa pêlos - a rir e a chorar de rir...

Este foi um encontro das amigas muito marcante. Tratou-se de uma espécie de inauguração do meu larzinho; a comemoração de grandes mudanças - geográficas, entre outras - nas vidas da Ana e da Laura e o matar das inesgotáveis saudades da Nês.

Amigas, foi com vocês que utilizei pela primeira vez as quatro cadeiras-da-minha-vida prata e a imitar pele de cobra, os meus fantásticos copos pretos todos XPTO que não deixam ver o líquido, os pratos rectangulares, estreei as pequenas travessas ao-estilo-de-quem-vive-sozinha e os individuais a fazer pendant com o sofá que a Nês me ofereceu no Natal. Um brinde a mim que vos tenho comigo para partilhar a minha casa que, no sábado, foi a NOSSA casa!





*mua*

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Um dia diferente


..Hoje foi assim. Pela primeira vez não houve um 'bom dia' com um sorriso. Não houve um 'Olá' sincero. Apercebi-me, com certeza. Pela primeira vez não se ouviram gargalhadas nem os sons estridentes. Não houveram mensagens trocadas, nem respostas. Pela primeira vez não houve conversa ao almoço. Não se falou em comida, nem nos filhos, nem muito menos em planos para a hora que ainda faltava. Entre o burburinho da cantina, o cair da água no copo e o ruído dos talheres, não se ouviu mais nada. Apenas o desviar das cadeiras.

Durante a tarde apenas soou o rádio, ainda que baixinho. Comprometi-me a dar-lhe espaço e a enfrentar a coisa como 'um dia menos bom'. Respirei fundo muitas vezes. Queria dizer isto ou aquilo. Preferi guardar silêncio. Que hoje foi de ouro, ou quase de cristal.

Foi talvez um dos dias mais difíceis aqui. Superou os dias de muita pressão, espera, trabalho amontoado, raspanetes do chefe, ou até os dias de monotonia. Soube a amargo. Pior, por não entender tanta frieza. Ou talvez entenda. Mas na minha inocência, acreditasse que não tive culpa.


Bem-vinda ao mundo dos crescidos, Estrelinha.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Corte (de cabelo)


(...) Pedi que me cortasse o cabelo. Nem muito curto, porque faz frio no pescoço, nem muito comprido, para não ficar com um ar muito pesado. Ele disse, em tom de brincadeira: "Nesse cabelo, qualquer coisa servirá, essa madeixa vale tudo". ri-me. Não era o primeiro a dizer-me tal coisa, por isso não prestei a atenção devida.

O cabelo é seco. Tens de hidratá-lo, explicava. O cabelo é como a nossa pele, não te esqueças. O toque foi cuidado. Saí que nem uma "Mary Poppins!". O vestido de veludo e o sapatinho dourado, que nem uma cinderela, ajudaram a compor o cenário.

Fiquei sem as minhas ovelhinhas de estimação. Fiquei triste confesso. Mas o resultado não podia ter sido melhor. Todos gostaram. até eu começei a gostar, sem me aperceber. Fica-te bem o corte, diziam.

Daí nasceu um não sei o quê, de não sei onde. É divertido. Cheira a champoo e a creme bálsamo. Cheira a Diesel. Cheira a novo. Cheira a desconhecido. No bolso traz uma mão cheia de tesouras, um ar lingrinhas e até um pouco de ousadia.

É diferente. Encontrei-o num sítio estranho, é certo. Entre a espuma do desconhecido e a água tépida de um carinho. Sabe bem.

Gosta de ver o dr.house. de design, cabelos. Gosta de mexer nas roupas, quando vai às compras. Gosta de decisões e de fazer planos. Gosta de aprender e, por enquanto, gosta que o corrija. Gosta de um 'não' e de um 'pára'. São estas as coisas que sei. Poucas, é certo.

A verdade é que veio trazer um corte. Necessário e certeiro. Um corte.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Recomendação > vender

foto: DR/Le Cool

Ontem adormeci atormentada. Sonhei não sei o quê que me irritou e a manhã chegou chata, a pedir para esticar os minutos até o alarme tocar. Quando a hora já estava a rebentar pelas costuras, enchi-me de coragem e enfrentei o ar frio de fora dos lençóis. De há dois ou três dias para cá, a temperatura tem descido a olhos vistos. Está frio.


Na hora que se seguiu interpretei o ritual que já é rotina. Engraçado, passaram-se apenas 16 dias que estou a morar sozinha e já existe hábito. Incrível como a vida nos desaponta assim, quando esperamos demais dela. Mas presumo que a normalidade da regra seja a base para haver variações. Senão tudo seria um caos. Ou não?


A água a escaldar aqueceu-me o sangue. Mas só isso. Continuei zangada com o frio, a manhã e os minutos a voar. Arreliei-me assim mesmo com o armário que me parece vazio de vaidade e com o cabelo que teima em se armar em esquisito. Meninices.


O autocarro deu-me lugar, mas nem assim consegui rejubilar. Que chatice. A viagem fez-se embrenhada nas inúmeras personagens de Garcia Marquez, com muito mais barulho de fundo que nos outros dias. Não consegui acabar o capítulo, como prefiro. Não importa.


No trabalho continuei a suplicar por dentro que não me dirigissem a palavra. É daqueles desejos meus. Uma defesa para não dar a entender a amargura aos outros. Eles não precisam de saber. Mas é mais forte que eu e - apesar das súplicas surdas - há sempre algum infeliz que leva com palavras carregadinhas de raiva, impaciência e teimosia. É o meu preço (de ser tagarela e efusiva o tempo - quase - todo). Depois dá nisto: balas secas em vez de palavras.


Hoje não me recomendo a ninguém. O melhor é vender mesmo. Não vá a desvalorização ser demasiado alta...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Ar meu




Lisboa é vida. É cor e sabor, conceito e poesia. Lisboa é ser, ter e fazer. É verbo. Lisboa é fado, música. É dança livre. E é livre. Lisboa surpreende, incita e cativa. É cidade de luz e fonte de desejos. É um bairro popular, intimista e indiferente. É de todos e de ninguém. É isso e aquilo, está ali e acolá.

Lisboa é história, saber e aventura. É prazer e lazer. Melancolia e satisfação, ao mesmo tempo, no mesmo sítio. Lisboa tem carisma. Tem pessoas e gente. Tem glamour e língua própria. É misto unificado, é massa heterogénea e fluidez dinâmica.
Lisboa tem rio. Tem Tejo e vistas. Castelos e ameias, muralhas e recantos. Muitos. É sobe-e-desce sete vezes e dona de 1001 segredos. De feitos e glórias, dilúvios e privações. É senhora de si. É fruto de sonhos e palco da fama. É cena e acto.


Lisboa é ar que há em mim.


Caindo no erro de estar a ser repetitiva, lanço mais um desabafo sobre a minha Lisboa, a cidade mais cidade. Perdoem-me a(s) redundância(s).

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

MJ


Acho que tenho de escrever sobre isto. Afinal de contas estas linhas da escrita são sinceras. Perdi a conta às vezes que começei a escrever um momento sobre este assunto. "Hoje apetece-me..." e daí para a frente apenas me saíam palavras soltas e conceitos mais do que repetidos. Digamos que tem sido um assunto tabu e abafado pelas boas intenções das amigas e dos demais.


Lembro-me que recebi a notícia numa mensagem ('em actualização' aparecia no visor). Era uma mensagem comprida. O E. deu-me a boa nova. Estava na Póvoa do Varzim. Longe da minha casa, dos meus amigos, longe. Estava noutro trabalho. Noutro sítio. Noutra roupa. Li e reli. Toda a gente sabia menos eu. Até a N. "Não sabia como dizer". Passei a mão pelo o rosto e não pensei duas vezes. Não pensei, quase que desacreditei. Foi difícil, diria até a prova mais dura de todas. Nunca a distância, as palavras amargas, o desrespeito ou outra forma de insensatez me foi tão díficil. Soube a acre. Soube a desalento e a "nunca mais". O coração ficou mais pequeno. Reduzi-o a uma simples forma vermelha que dizem que bate a cada segundo. Doía-me a cabeça. Os dedos e a alma. Doía-ME. Queria sentar-me nalgum sítio e chorar. Apertar com a força que nunca tive.

Respirei fundo. Estava a trabalhar e o momento era de responsabilidade. Não consegui por muito tempo, é verdade. Tudo se pintou de negro e o caminho parecia não mais acabar. Consegui conduzir até Lx. Viemos animadas. Cantámos. A C. deu-me a mão e a voz da C. juntou-se à minha. Chovia. Chovia muito. Um risco, conduzir num dia como aquele. O céu chorava as lágrimas que não pude chorar.


Entrei no QV e senti o desalento de não saber para onde ir. O rádio tocava uma música banal, creio. 20, 30, 50, 80. Tive de parar. Foi díficil. Explicar porque me doía. Onde me doía. Tudo se tornou muito mais pequeno. Não cabia na roupa, no quarto, no mundo. Tudo seria mais fácil se não houvesse amanhã. Dormir não estava nos meus planos. O silêncio não me permitia. Sonhava em voz alta, desesperada de rancor.


Sobressaltada pelo soluçar do desencanto, ergui a cabeça. Passaram-se os dias e os meses com a conta certa. Amei e desamei, ao sabor do ditado "incha, desincha e passa". Tentei apagar as memórias porque já nada valia a pena. Ou talvez valesse.

Toda a gente sabia menos eu. Todos sabem mais que eu, acho. A mim cabem-me os sonhos e as premonições. E as notícias amargas. Uma casa, uma vida a dois e uma nova vida irreparável. Difícil para quem sempre o desejou para si. E para quem sempre imaginou o impossível.


Lembro-me do dia em que o conheci. Trazia umas calças claras, uma sweat quase até aos joelhos e o cabelo espetado. Era Outubro de 99. Gostava de Korn. Fumava e usava spikes. Nunca tinha dinheiro. Gostava de ser da turma de desporto, mas acabou na da informática. Tinha uma mala castanha da Nike, que arrastava pelos corredores. Não gostava de estudar. Tinha uma namorada francesa. O telemóvel era rasca e tinha um visor cor-de-laranja. Ria-se alto e fazia trinta por uma linha. Metia-se com os professores e até, com a professora de educação e moral, freirinha. Sentava-se no último banco do autocarro e implicava sempre com o motorista. Os ténis eram largos e quase rotos. Os bolsos eram nos joelhos e sempre vazios. Adorava comer porcarias. Hamburgers no tasco. E beber umas cervejas. Era guloso. Gostava de paninis e pastelarias frescas. Tinha sempre pastilhas. E lenços de papel. Tinha sempre o pingo no nariz, dizia ele. Tinha um cachecol às riscas castanhas e laranjas. Era da mãe. Usava-o quase a tocar o chão. Tinha amigos que vestiam preto e usavam pulseiras de bicos. Nunca andava sozinho. Gostava de saltar a fila do almoço e brincar com a comida. Fazer bolinhas com os guardanapos para atirar ao colega da frente. Tentava sempre comer mais uma sobremesa. Nunca estava a horas em lado nenhum. (...)
Foi assim que me apaixonei. sem motivo aparente, dizem os mais sábios. Cresceu e cresci com ele. Trocámos promessas. Fizeram-se promessas por nós.

Aliás, acho que nunca cresceu. Agora terá de crescer necessariamente. Queria ter crescido com ele. E dizer-lhe que não vou estar nesta etapa. E dizer-lhe até o quão difícil tem sido. E pedir-lhe para fazer as coisas bem e da melhor forma. Para ser um homemzinho. Para vestir o papel de p. de forma digna. Para, pelo menos, assentar. Ainda que me custe aceitá-lo. Um dia disse, em tom de brincadeira, "pareces um pombo, de anilha posta no dedo". Rimos que nos fartámos. Ainda não tinha crescido.

A
cho que desta vez te caçaram, sonhador.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Eu sonhei...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Oficialmente.


Sonhos. É isso que alimenta a chama da vida. É o que nos move e nos pára. Que nos arranca da realidade do improvável e impossível para nos levar até à terra do nunca. E sabe tão bem sonhar.

Às vezes o sonho dá lugar ao concreto. Ao aqui e agora. Ao ser. Eu sou. Sou isso tudo que o sonho transforma. Fonte de vontades inesgotáveis e de mundos próprios, longínquos. E neste momento, o meu presente é sonho tornado realidade. É futuro em devir, a ser explorado.

Moro oficialmente em Lisboa, a minha cidade de coração. Em finais de 2007 ficou o sonho de ter uma casa e de abraçar a capital. Neste novo ano, plantei a semente da "vida nova" logo, logo de início e aqui estou eu, a caminhar sozinha. Inevitavelmente.

Oficialmente.

É desta. É agora. De braços abertos recebo o desafio e, ainda trémula, tento não ceder à fragilidade. Afinal, são outras águas, mais agitadas. As lágrimas já salgaram a aventura e muitas mais virão para temperar o quotidiano. A rotina vai entrar nos eixos, aos poucos. Oficialmente e inevitavelmente.

Um sonho chamado Lisboa. Um presente. Um passo gigante. Eu, oficialmente.