quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Olhos abertos

A Carolina disse: "amiga, nem pareces tu a falar". Parece que as coisas mudaram. Parece que eu mudei. Mais sensata, menos egoísta dizia ela. Não me dei conta disso. Era bom se assim fosse. sempre me apontaram o dedo por ser impulsiva e egoísta. Por apenas pensar em mim, nas alturas mais decisivas, e por quase nunca acatar um bom conselho. A tendência para fazer as coisas à minha maneira é inata.
Parece que agora cresci. Já coloco "mas" e "por isso" com mais frequência no meu discurso. Cresci com o tempo e as lições. Cresci contigo e com tudo aquilo que me ensinaste. Cresci a aprender que nunca deveria ser como tu. E ontem, a fazer as compras de Natal, dei me conta que este é o primeiro ano que não te incluo na lista. talvez porque pessoas como tu não sao bem vindas na vida de ninguém, nem naquela que vem aí (demasiado cruel, talvez, esta, assimilação).
Não estás na lista dos presentes. Nem dos ausentes. um dia já escrevi que não te queria em lado nenhum. É tão fácil racionalizar. E abrir os olhos. Deixar que os outros nos abram os olhos. E ver outras coisas. Ou talvez as mesmas de uma maneira diferente. Sabe bem olhar de novo e não te ver em lado nenhum e não ouvir o teu nome em parte alguma. Sai da minha boca, às vezes, mas todos os que me rodeiam te fazem esquecido. Amigos. Abre os olhos, dizem eles.

Desde pequena que gosto de ovos mexidos

(desculpa o plágio L.)
São poucas as memórias que tenho da minha infância. Recordo o cheiro a batatas fritas que percorria os correrdores até à mesa da sala da minha avó. Lembro me da minha 'casinha' fria, onde guardava os brinquedos e brincava ao sol. Assim como as lições de culinária em panelas do tamanho da minha mão. Sopas, sobremesas. Aprendi depressa as cores, é verdade. Na fábrica dos avós gostava de correr por entre os fardos, esconder os gatinhos pequenos para o meu avô não os ver, e brincar aos escritórios da Makro. Gostava de fazer de detective, de pesar me na balança das mercadorias e chegar sempre à conclusão que seria sempre a "Ana Palito". Em casa, lembro-me dos peixinhos que caiam ao chão e do gato preto...o Silvestre.
Gostava de brincar com carros, jogar ao berlinde (tinha uma colecção invejável), ao piolho e ao elástico. Eu e o Pepa brincávamos muito. Talvez daí a cumplicidade e o gosto dele por automóveis. Adorava brincar com as formigas. Fazer-lhes casinhas, cemitérios e alimentá-las com todas as sementes que havia no quintal da minha avó.
No Inverno, a mata enchia. Dávamos grandes passeios a dois, eu e o meu avô, aprendi o nome das árvores, das flores, o som das galinhas de água e o gosto dos pirolitos. Aprendi a fazer cadeirinhas de verga e a lançar pedras à água. Era fácil, o meu avô apanhava-me sempre as pedras mais lisinhas..gostava de ver os morcegos e de gritar para o fundo do Poio. Gostava de apanhar flores para dar à minha mãe. Lírios.
Em casa, recordo-me das escadas frias da minha casa velha. Do meu quarto e da marquise. Com as plantas e o telhado verde. Gostava de acordar mais cedo e deitar me no tapete do quarto dos meus pais. Gostava de ver o 'Bocas' com o Pepa e as primas. Com a Janeca gostava de brincar com as Barriguitas.
Gostava de jogar à bola com os meninos e talvez por isso usava sempre o cabelo curto. Detestava mesmo tirar as fotografias da escola, com as camisas abotoadas até às orelhas, a amarela era sem dúvida a pior. Assim como odiava aquele casaco cor de rosa choque que se embrulhava debaixo das botas e que a minha mãe dizia que protegia da chuva. Gostava de ouvir o meu pai na rádio.
Adorava brincar com os coelhinhos e fazer-lhes familias e até pô-los em corrida. A minha preferida era a Micaela.
Aprendi a andar de bicicleta na rampa do quintal. O meu avô sentado na cadeira de praia incentivou me. Caí poucas vezes. Até ao dia em que me estatelei a caminho da fábrica. Na rua brincava com o Pedro e o com o João Nuno, com o Snoopy a correr atrás de nós! E a (Ana)grita também! Jogávamos à macaca e trocávamos tazos!
Da escola, vinha a pé com as amigas. Fazíamos mil e uma paragens e quando dava passávamos por entre os campos de milho. Na casa da Ângela bebíamos batito de banana e comíamos tostas mistas. Humm...E um dia fui campeã da corrida de triciclos.
A minha avó fazia fatias douradas. Mas desde pequena que gosto de ovos mexidos, mal mexidos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Entre um vazio e outro


"Tenho saudades tuas". Estas palavras chegaram-me hoje como uma doce brisa que me acarinhou a face, um aconchego que me acalentou a alma. Avivou recordações para onde viajei de sorriso às costas e saudade ao colo. Caíram-me, suavemente, em cima, sem aviso e com uma espontaneidade perfeita. Há muito tempo que não me diziam tal deixa.

Sinto-me só, não sozinha. Sinto falta de partilhar o coração e de dar a mão numa caminhada. Sinto falta de dividir um pedaço de bolo, uma mesa de restaurante ou um banco de jardim. Faz-me falta olhar nos olhos, ver uma cascata por descobrir no fundo de um olhar. Precisava de dizer "tenho saudades tuas".

Sempre que o sopro do medo me acaricia os ouvidos, rebato com a teoria da dúvida. Coloco o "se" na maior parte dos raciocínios e tento não me prolongar na questão do "quando". A dificuldade é parar de pensar e deixar rolar o tempo na sua lentidão. Existe sempre a ânsia de viver mais, sentir mais fundo, chegar onde nunca pensei chegar e conhecer o que jamais ousei imaginar!

É incontrolável esta insatisfação. E angustiante. Pesa-me nos ombros e deprimi-me. Uma fase má, diriam os pessimistas. Ou uma fase menos boa, precisariam os optimistas. Um estado meio febril, meio anestesiado, diria eu. Nestes dias só o profundo me faz sentido e me inspira para discorrer sobre o meu interior. O superficial cala-me e faz-me sentir deslocada.

Por isso talvez a frase que hoje me fez sorrir por dentro marcou tanto a diferença. Contornou tanto as minhas formas. Mesmo aludindo a um passado resolvido, terno e demasiado adormecido.

Hoje vivo de recordações. Como que mergulhada num mar opressor, mas com o oxigénio suficiente para respirar. Sinto-me peixe com memória, sereia sem cauda.

Falta-me agarrar mais vezes o futuro. Gostava de ouvir um "bleu de toi".


quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A fonte secou


Nunca pensei ficar assim, depois de ler um livro. Estou triste. Encontrei um escritor que adoro, com um estilo perfeito, com que me identifico e que me dá vontade de sugar o mundo pelas suas páginas, que degustei como um bom vinho. A questão é que, de Carlos Ruiz Zafón, só pude ler a Sombra do Vento. Ele tem mais três ou quatro livros anteriores, mas de literatura fantástica - e não traduzidos para português - que julgo não ter nada a ver com as palavras pelas quais me apaixonei de A Sombra e o Vento. Isto nunca de me tinha acontecido: desejar veemente ler mais do mesmo e simplesmente não haver. É angustiante, posso dizer.

Já pensei em enviar-lhe um email a pedir para escrever mais, mais daquela forma que toca na alma do leitor, mais daquelas improváveis associações de palavras que provocam mil e uma sensações, mais daquele estilo (que parece) tão meu.

Ainda não consegui pegar em mais nenhum livro. Sei que o que vou encontrar ficará aquém das expectativas que, com Zafón, ousei criar.

Alguém me quer desafiar?

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Desabafo


(...)

Cada vez que eu ligo tento deixar mensagem
mas acabo por nunca arranjar a coragem
Necessária
Gostava apenas de partilhar o quotidiano habitual
Nada que se compare com as correrias doutras alturas e doutros abismos

E já que falo por eufemismos
Gostava de dizer que ainda gosto bastante de ti...

A casa tá diferente, parece digna de gente
Dá gosto sentar no sofá com a tv pela frente
Comprei uma máquina de café Xpto, bem bonita, azul bebé
Ocasionalmente cozinho e bebo o meu vinho
E esqueço o fumo que nos dava aquele quentinho
Hoje em dia é mais à base do ar condicionado
Condicionei a tentação num clima controlado

Quero que saibas que tou bem, sei que tu mais ou menos
Sempre gostaste de brincar em perigosos terrenos

Em relação a isso eu não sei o que fazer
E se calhar é por isso mesmo que acabo por não dizer
que a verdade é que a saudade do que passou
Não é mais que muita...
Mas por muita força que faça ela passa por saber que te vivi...

Tu deste tudo e eu joguei, arrisquei e perdi


(...)

(Da Weasel)

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Pessoas Felizes


"Sou tão feliz hoje", disse eu há pouco. "Sou"soa de facto a definitivo. o "hoje" tira-lhe o seu quê de certo e relembra o amanhã e o ontem. Posso sempre definir-me agora.

As minhas amigas estão felizes e cheias de novos projectos.

- A Carolina vai viver finalmente o sonho de crescer sozinha.
- A Nês conseguiu dobrar os medos e ir embora.
- A Laura vai viver um verdadeiro desafio a dois.

Estão felizes. E eu por elas.

- Os meus pais estão bem (e que fosse assim para sempre...)
- Os cá de casa estão em uníssono.
- Eu senti pela primeira vez o pequeno L.. e a M. está feliz! E só isso dá-me vontade de sorrir todos os dias que oiço o seu 'bom dia', como se cada dia fosse uma contagem decrescente para o grande dia. O dia das tias!
-No ballet, sou desastrada e distraída, mas o meu professor diz sem pensar duas vezes: "A Ana é uma pessoa feliz".

Tem razão.

- Eu sonho em ter uma casa, talvez em frente ao mar, como sonha a minha mãe.
- Eu vou a Barcelona de novo.
- Eu encontrei uma nova "xiao xing xing" embrulhada num guardanapo.

"Sou tão feliz hoje", vou eu dizer amanhã.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Já não escrevo na agenda.



Dei comigo a pensar que há muito que não escrevo na agenda. A do ano passado terminou na estação do calor e não voltei a comprar. hoje dou comigo a pensar, o que aconteceu há um ano atrás? Não consigo trazer à memória o esboço do que importante aconteceu. Hoje queria escrever "visita à casa em Algés", "J. ligou para saber como estava", "fui jantar com o D.", e talvez ainda houvesse espaço para um apontamento como "fui almoçar a casa com a L.". Amanhã seguramente iria escrever "Minde". E faria uma estrelinha ao canto da folha, como sinal de felicidade.

As páginas estão em branco por enquanto, talvez pelo medo de não querer recordar. Talvez pela preguiça de fazer apontamentos de situações que um dia darei como acabadas. Talvez porque já sou crescida e a criação de memórias sejam coisas de menina. Talvez porque o castelo dos sonhos deu lugar a uma casa abandonada por mim e pelo tempo.

As folhas dos anos anteriores ganham a cor do correr do relógio. Cheira a 'outrora'. Para o ano seguramente vou sentir a falta deste apontamento. Vou sentir-me perdida e culpada por não ter escrito na página da agenda. O ano passado comprei uma que se chamava "Gosto de ti todos os dias". este ano já não havia. esgotado, dizia o sr. da livraria.

De facto, esgotou-se quem gostava de mim todos os dias. De facto, terminou o ciclo que me dava por apaixonada todos os dias. Na verdade, ninguém gosta de ninguém todos os dias e nem todos os dias há amor para dar. Mas ontem alguém me dizia, como se um apontamento se tratasse: "O importante é virar a página". Não tenho agenda é certo. talvez para o Natal compre uma. para pelo menos poder escrever "Natal com os primos". "Passagem de ano em Barcelona" e quem sabe ousar delinear "Ano Novo, vida Nova". Cliché. Ou Sonho.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

-poca-terra-

Adoro andar de comboio. É o meio de transporte público que eu mais gosto de utilizar e que utilizo mais vezes. Vou todos os dias de comboio para o trabalho. No passado fim-de-semana fui para o Porto, de comboio. Uma viagem de pouco mais de duas horas e meia, onde li, dormi, ouvi música, comi, acompanhei a paisagem que se perdia de vista e pensei. Fartei-me de pensar. Pensei no primeiro campeonato de Vela que ia assistir (no porto de Matosinhos), nas pessoas novas que vou passar a conhecer neste mundo tão diferente e que julguei tão longe, nas expectativas dos novos chefes, nas saudades da Nês que fugiu para a Invicta (abraçar um novo desafio). Pensei em como será voltar a trabalhar com a Luzinhas de perto - e partilhar com ela um novo objectivo, no próximo jantar das amigas, na Laura e em como ela tem tido azar este ano, na mana da Laura. Claro que também pensei na minha casa nova e nas prateleiras que quero colocar na casa das máquinas, nas toalhas que quero ir ver à loja que está em promoções no Colombo e no sofá que nunca mais chega.

Enquanto pensava, com a música ora do Papas na Língua ora da Sara Tavares a mergulhar-me pelos ouvidos, passeava os olhos pelos passageiros e tentava adivinhar-lhes a alma. Que perguntas estariam a conjurar? Que desejos, sonhos e medos esconderiam?

Abandonei o presente da janela ao fechar os olhos. Os balanços do comboio funcionam como uma chupeta, chamam o sono tão rápido que nem nos apercebemos. Fui logo parar a Barcelona, para junto das personagens de A Sombra e o Vento. Mas não por muito tempo. "Próxima estação: Porto-Campanhã". Era a minha deixa...

Na viagem de volta repeti o roteiro. Li, pensei, ouvi música, viajei pelos rostos desconhecidos e divaguei por sonhos, desejos, medos e frustrações. Uma viagem em que não dividi o par de bancos e, talvez por isso, me fez sentir um pouco sozinha. Já disse que adoro estar rodeada de estranhos? É nesses momentos que me sinto mais acompanhada e desfruto melhor o meu próprio espaço. É também isso que uma viagem de comboio me oferece: o vazio prazenteiro de estar centrada em mim e numa espécie de transe, a voar.

Também adoro estações de comboio, mas detesto o hall dos aeroportos. As energias são totalmente diferentes nos dois sítios, apesar de serem ambos locais de partidas/chegadas, encontros/despedidas. O aeroporto arrepia-me, beargh (e não é pelo medo de andar de avião, que esse não me chega). A estação acalma-me. E anima-me, julgo. Estou deserta para que reabram a estação do Rossio, é uma das minhas favoritas. Faz-me lembrar um pouco a estação de comboios da Antuérpia, na Bélgica, mas mais pequena (e mais bonita!).

O que me deixa triste é que vou deixar de andar de comboio todos os dias para ir para o trabalho...mas é por uma muito boa causa!