sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Missão Cumprida...!

Não há um momento destes cinco meses que não me lembre. Que não me lembre com um sorriso ou com lágrimas nos olhos. Todos diferentes, todos especiais, todos fantásticos.
Habituei-me a viver nos traços dos extremos, numa balança instável mas sempre cheia de vida, de cor, onde o pouco não existe (a não ser agora, no final, que nos faz olhar para trás e dizer: foi tão pouco tempo!). Aqui tudo foi muito.
Muitos amigos.
Muitas línguas.
Muito medo.
Muita carga positiva.
Muitas festas.
Muitos sentimentos.
Muitas experiências.
Muito contacto.
Muitos sorrisos.
Muito stress.
Muita alegria.
Muitas lágrimas.
Muito entusiasmo.
Muita saudade.
Muita, muita felicidade!
Aqui tudo foi forte.
Emoções fortes.
Fortes abraços.
Fortes amizades.
Aqui tudo foi intenso.
Convívios intensos.
Momentos intensos.
Sabores intensos.
Hoje, a dois dias do final, sinto-me mais cheia. Cheia de tudo isto que colhi, lenta e intensamente. Ofereci-me para viver ao máximo, para entrar neste mundo tão particular e deixar a minha marca para a eternidade. Tudo ficará dentro de mim, aos retalhos, aos trambulhões. E sei que todos sentimos da mesma maneira o doce sabor do que foi o nosso Erasmus...
Vim com um único objectivo: viver e absorver tudo!
E no final sabe bem saber que assim o fiz. Não podia ter sido de maneira diferente, nem eu queria. Tudo se passou de modo PERFEITO para mim...
Comigo levo tudo o que posso e o que não posso deste pedaço de vida. E tenho consciência que deixei tanto ou mais do que isso. Afinal, ao partir sei que ficará cá um pouco de mim, que nunca vou poder trazer para casa(e que também não faz sentido sem ser aqui, neste ilhéu estudantil).
Arrico-me a dizer, sem medos, sem arrependimentos, sem "se's":
Missão cumprida!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

O segredo do encanto

Já alguma vez tentaram imaginar as 1001 sensaçoes que atravessou Alice no pais das maravilhas quando caiu pelo túnel das mil e uma coisas? Das magias e dos encantos, das coisas novas e das novas maneiras de ver coisas antigas? das cores e dos sabores intensos que percorreram aquela rapariga num caminho tao curto e ao mesmo tempo tao longo? Alice caiu num mundo novo, com novas personagens, onde um coelho corre apressado, onde os gatos sao cor de rosa e onde as cartas andam de um lado para o outro...
O alexandre também caiu aqui em Barcelona da mesma maneira....uma cidade nova, cheia de coisas e sitios diferentes, cidade dos artistas e alternativos, das cores e das luzes, cidade da vida de dia e de noite. Veio como turista e nós os dois de mao dada partimos a descoberta de uma cidade ja tao conhecida para mim e tao curiosa para ele. Novos lugares entre ruas estreitas de um bairro gótico tocando o moderno, avenidas largas repletas de pessoas que obedecem à mudança do vermelho para o verde, pessoas diferentes num bairro ja familiar para mim, sabores e tragos exóticos numa cidade onde o estranho é quase o normal. Misturados entre os turistas, tirámos fotos, subimos ao ponto mais alto da cidade, contemplámos as fachadas dos edificios que fazem desta cidade o meu museu favorito, provámos o doce e o amargo de uma cidade que nunca dorme.
Longe de uma Leiria já bem conhecida de criança e de uma Lisboa já por nos descoberta partimos num comboio até um dos pontos mais mágicos da catalunha: Núria. Como duas crianças a brincar na neve, a descobrir o que havia por detras de tanta candura e de tanta natureza, tinhamos a paisagem mais bela até agora vista por detras de nos os dois, enamorados por tudo aquilo e enamorados um pelo o outro.
Ali, de regresso à cidade, numa casa acolhedora entre a Gracia e o Eixample escrevemos uma página mais na nossa história ao som de um chill out comprado no mais banal El corte Ingles. Entre as quatro paredes de um quarto quase vazio, contámos historias e sonhámos que um dia voltariamos a esta cidade agora ja minha.
Na praia, lançámos ao mar promessas para um nao sei quando que parece aproximar se cada vez mais depressa e pensámos juras escritas na areia. apanhámos conchas e pedrinhas como dois namorados de escola, guardámos segredos e sussurros de um passado que agora vivemos num presente aqui nesta minha cidade.
Como que uma Alice chegada a um lugar desconhecido, fomos os dois descobrindo sitios e esconderijos para ninguem desconhecidos. Criámos spots e intençoes para muitos estranhos mas que para nos faziam todo o sentido. Palavras amenas no meio de um "adeus" que sabíamos desde o inicio ser inevitavel. Tudo para nos parecia obvio. Era o óbvio depois de quatro meses a imaginar como seria a minha cidade. Como seria a minha vida neste lugar tao cheio de gente e tao cheio de uma vida que ate aqui contrastava com a minha.
Vivendo uma magia tao nossa em tao poucos dias foi magico, demasiado magico para ser uma ilusao. Nao foi um sonho. Porque no sonho ja vivemos à muito tempo. Mas o concretizar de uma ilusao que para mim sempre foi mais do dominio do possivel do que do impossivel. Um dia acreditei como Alice que o cair num tunel sem fundo poderia ser magico. Arrisquei e esperei...e agora o Alexandre caiu tambem...e a paredes meias com um sonho vivemos uma realidade que a partir de agora marca o inicio de um novo sonho aqui na cidade das mil maravilhas*

domingo, 22 de janeiro de 2006

Os últimos dias

Fim dos exames: 7 cadeiras feitas!

Depois de mais uma despedida, desta vez a Barbara com rumo a Berlim, surge o hábito. Um dizer adeus não automático, mas habitual. Com uma pontinha de tristeza lhe acenámos para a janela do autocarro, mas com um grande sorriso nos abraçamos com a promessa de nos reencontrarmos em Berlim, daqui a pouco mais de 3 meses.
É tempo de descontrair para mim. Relaxar a mente, deixar-me ir ao sabor do vento destas pequenas férias antes de voltar a Portugal e de recomeçar a faculdade. Depois de um grande esforço a estudar durante os dias todos e dos nervos apanhados, sinto que mereço descansar. Descansar o corpo, antes contraído pela ansiedade, e a alma, atrofiada pela confusão de matérias, essências, sentimentos.
Inscrição em sete cadeiras. Sete cadeiras feitas. Nem em Portugal fiz tantas disciplinas num semestre, por isso, sinto-me contente pelo facto de ter conseguido trabalhar o suficiente para passar a todas aqui, mesmo que as notas não sejam as melhores (que não vão ser, com certeza).
É o fim dos exames, é o alívio que me faz respirar melhor, sem tanta angústia no peito.
Visita a Aachen
Saímos por volta da uma da tarde, eu, a Maria, o Pascal e o Patrick que levava o carro. Destino: Aachen, a cidade alemã próxima da fronteira com a Bélgica. Lá, esperava-nos a mãe da Maria, que aproveitou o fim-de-semana para vir até à Alemanha. Bem dispostos, fizemos a viagem sempre a falar e a rir, não mais do que uma hora e meia. É assim quando estamos na bélgica: andamos umas poucas horinhas e estamos nas fronteiras...
Umas voltas até encontrar a estação de comboio, local de encontro, e finalmente estacionámos num parque mesmo ao lado do lindo edífio. A mãe da Maria esperava-nos num cafézinho, estavamos atrasados uma meia hora. Foi giro ver as duas, são tão parecidas! E além disso, é espectacular ouvi-las falar búlgaro, uma mistura de sons conhecidos do português, com sons que parecem provenientes da rússia...língua claramente de leste. E não só: havia alemão, muito francês e algum inglês (para eu falar com a mãe da Maria). Soube bem aquele encontro de línguas, fez-nos sentir como uns verdadeiros poliglotas!
Passeamos a tarde toda, entre as ruelas e as grande avenidas da cidade. Reconheci um pouco da arquitectura que encontro na região flamenga da Bélgica e adorei. Tem uma capela linda, onde supostamente repousam os ossos do conhecido Carlos Magno - O Grande. O tecto, as pinturas, as vitrines, a cadeira de trono branca...um pedaço de história ali representado que imagino incrível!
Mesmo com o frio dos 6º, foi super agradável passear e descobrir as originais estátuas que estão espalhadas pelo centro da cidade. A multidão de turistas ou simples residentes seguia na maré virada para os monumentos principais e outros, para as imensas lojas que se estendiam pelas ruas.
O Patrick estava feliz, afinal de contas estava em casa, com os pés no seu país, onde podia falar à vontade a sua língua. E nós deixámo-nos contagiar pela sua boa disposição.
Foi uma saída que gostei muito, apesar dos pequenos olhares de nostalgia para os lugares agora vazios no café, no carro, no grupo.
Voltámos um pouco cansados e deixámo-nos deitados os quatro no sofá a ver um filme.
É assim que vou continuar a aproveitar os meus últimos dias aqui: a passear com quem ainda cá está, nunca me esquecendo de quem já partiu.

sábado, 21 de janeiro de 2006

Bahhh

Não quero mais espirrar... Tou farta de me assoar e de criar um pequeno monte de lenços ensopados à minha volta... Não quero comer mais bolachas, mas n consigo parar... E isso é sintoma de que estou a atrofiar... ah pois é... Quero desabafar, mas n sei o quê, n sei a quem... As pessoas tão aqui, mas ao mesmo tempo n estão... Mas também o q ia dizer-lhes? N sei... Porque não sei o que se passa... Ou se calhar sei... Que raio! Toda a gente tem coisas para fazer e fazem-nas... Eu smp tive coisas pa fazer e smp as fiz... Porque é que me tá a custar tanto agora? Porque é que a caneta teima em riscar o que escrevo, em vez de escrever mais? E porque é que esta desgraçada (constipação) se foi lembrar de mim agora? Quero escrever e não consigo, quero conseguir explicar, construir um texto em espanhol mas parece que tudo soa mal... "Será que ponho já esta parte? Ou esta? Isto relaciona-se? Mas se calhar fica melhor depois... Olha, gaita, era antes!"
Acho que esta sucessão de frases sem jeito nenhum, de associações de coisas que nada têm a ver umas c as outras, é um espelho de cm estou... Desorganizada, meio perdida, desorientada... Parece q n sei estudar aqui... Sinto-me cm na primeira frequencia em Lisboa, em que tive de ir para casa porque não estava habituada a estudar em Olaias... (o curioso é que agora consigo estudar melhor em Lisboa...)... Não tenho tempo para me habituar a espalhar os meus papéis por esta secretária grande, que agora me parece pequena para tudo o que quero pôr aqui (ai se a minha mãe ou a ana vissem isto...). Nunca tive um exame em espanhol, só posso treinar nestes apontamentos que tento elaborar... A pressão é maior do que num exame normal... A ansiedade assalta-me, a constipação não me deixa concentrar, não consigo estar em silêncio mas por vezes parece que tampoco consigo estar c a música, minha única companhia neste quarto, ligada.
As horas passam e eu enervo-me comigo por ainda só ter quatro folhas escritas... E ainda para mais, este primeiro exame seria supostamente o mais fácil, a matéria mais acessível... Então como farei pos outros dois? Ai...

Pronto, aqui ficam as coisas que quero dizer mas n sei como, as coisas que me preocupam, os pensamentos que me inquietam o espírito, as mil e uma coisas que me passam pela cabeça... tal como me vêm à cabeça é como as escrevo: desordenadas, sobre coisas completamente diferentes, mas q no fim de contas se resumem num único pensamento: tenho medo de não conseguir...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

O início do ritual de despedidas

Antes de haver o sonho de fazer erasmus, existiu sempre o sonho de não ter que dizer "adeus"...

Estava sentada com os outros. Pedi um chocolate quente, em vez de um Cappuccino, para conseguir dormir bem. O barulho do café não me incomodava, depois de um dia inteiro a estudar no meu quarto silencioso. Por isso é que tudo se passou talvez tão desesperadamente oprimido, todos nos refugiamos no escudo de um ruído de fundo.
A nossa mesa estava bem situada, à parte e num sítio mais alto, como um altar de celebração. Um sacrilégio, diria eu. O cacau quente adormecia-me a garganta meia doente, o vapor suave e aromático fazia-me respirar melhor. Falámos um pouco sobre o dia de cada um, mas havia pouco a dizer. Tinhamo-nos visto depois do almoço, um pequeno encontro que serviu para ver umas fotos e aproveitar mais uns minutos em grupo. Até ao jantar, pouco ou nada se tinha passado. Pouca ou nenhuma sensação tinha mudado. A atmosfera era praticamente a mesma: pesada, angustiante, despida do encanto que sempre nos acompanhou desde o início de Setembro. Sim, agora o espírito era outro, a mente tinha outros projectos, outros caminhos para a felicidade.
Tentamos forçosamente pequenos diálogos, tentativas frustradas de dar um ar de normalidade, de casualidade. Não conseguimos e a cada minuto que passava a tensão aumentava, descontrolava-se. Já nem faziamos o esforço de sorrir, não valia a pena, sabiamos bem o que cada um sentia, o que esperava a cada um de nós.
Ela ainda não tinha chegado, talvez porque se chegasse mais tarde, teria a boa desculpa de ter que ir embora rápido para não se deitar tarde, e assim não veria as expressões de desconsolo e tristeza. Impulsividade mental...
Vi o chocolate condensado no fundo da caneta fiz uma careta, ao imaginar a conhecida sensação de amargura adocicada que me provoca sempre que bebo leite com demasiado chocolate. Os outros riram. Eu queria rir, mas em vez disso, sorri apenas. Estava realmente ansiosa e já demasiado impaciente para esconder os pequenos sinais. "Tenho de ir à casa de banho". Vi-me ao espelho, lavei as mãos e voltei 30 segundos depois.
Quando ela chegou todos sorrimos. Um pouco pálida, começou a contar como se sentia hoje, depois de dores horrorosas de estômago no dia anterior. Conseguimos uma conversa aparentemente banal talvez durante uma meia hora, um record naquela noite. Esforcei-me por não retirar o sorriso da cara e de fazer brilhar os meus olhos o mais possível enquanto ela falava, sem me deixar cair na tentação de os empobrecer como espelho da minha alma, daquilo que realmente sentia. Ela fez o mesmo, tenho a certeza. Todos pereciamos do mesmo mal: fingir para sermos mais fortes.
"Em breve tenho de ir", disse. Eu sabia que seria assim. Os pequenos objectos emprestados voltaram à proprietária, ela. Ria-se e dizia "obrigado". Num deles, um pequeno livro branco, cujo nome não me recordo, tinha dentro um postal...um perigo em situações que se querem controladas. Espreitou e, por boa educação ou simples curiosidade, leu. Sem hipóteses. As lágrimas assaltaram-lhe os olhos e os óculos embaciaram. Já não havia por que esconder, por que fingir uma indiferença profundamente mentirosa.
Entreolhamo-nos, com aquele olhar meio de censura (pelo descontrolo), meio de compreensão. Todos presenciavamos uma partida. Como todas as partidas, dolorosa.
Ela queria-a rápida e sem tempo para continuar a pingar da cara. Mas eu detive-a com um sorriso e disse-lhe "só mais um pouco". Um erro. Talvez se ela tivesse ido embora naquele instante, a lentidão do meu cérebro ajudar-me-ia a aperceber-me da perda só depois de ela já estar a casa. Assim não foi.
O contagio das lágrimas durou poucos segundos. Lágrimas daquelas que se viam e ouviam em alguns e daquelas que se sentiam apenas pelo olhar contraido, noutros. Eu encontrei-me impávida, com força para lhe dizer adeus sem molhar a cara. Seria por breves momentos.
O barulho agora tornava-se silêncio para nós e as pessoas que nos rodeavam, cheias de vida e de conforto, encontravam-se longe, dispersas.
Os abraços finais começaram. Eu disse-lhe que a acompanharia até à porta do café, talvez porque queria uma privacidade para as minhas lágrimas, para um desalento que não era mais sentido que o dos outros. Mas queria aquele momento, aquela pequena tortura.
Abracei-a forte e não fiz força para não chorar. Proferi palavras abafadas que não sei se entendeu, mas que sei que sentiu. Afinal de contas, vamos reencontrar-nos em Abril, em Berlim.
Sequei as lágrimas e voltei para junto dos outros. A chávena do chocolate quente ainda estava em cima da mesa e ao beber o último golo não consegui sequer sentir a sensação amarga. Quisemos partir logo a seguir, já não fazia muito sentido ficarmos juntos, não logo depois de uma perda.

A Maya ainda a verei em Abril, não sei se pela última vez. Quisemos as quatro marcar logo esta viagem para não nos permitirmos desculpas de caminhos de vida demasiado "empedidores".
Mas e os outros? Sim, os outros que fizeram parte deste percurso desde o início e que me habitaram durante estes cinco meses? Aqueles que vi todos os dias, com quem ri todas as noites, com quem partilhei todos os sorrisos? Esses, ficarão para sempre enclausurados nos escombros da minha memória.
Retidos, mas mimados por todos os momentos maravilhosos que não me permito esquecer...
Este foi o primeiro dia do ritual das despedidas!

...

Hoje apetecia-me descarregar tanta coisa, gritar, chorar, tirar daqui de dentro toda a ansiedade que tenho.
Mas perguntam-me o q tenho e a única coisa que me apetece dizer é "..."

sábado, 14 de janeiro de 2006

Cansada

Tenho o espírto inquieto. E a mente cansada.
Olho em volta e o pequeno quarto que em tempos me pareceu acolhedor, simpático e já personalizado, mostra-se agora pintado de um cinzento-prisão. Quase que lhe consigo perscrutar os assobios abafados de uma arquitectura pobre, descuidada. As paredes brancas dão um ar luminoso, ilusão desmascarada pela sombra que o envolve. A dimensão fala a lingua dos limites e os olhos captam uma fotografia como que mal enquadrada nas linhas do mundo real. É pequeno, mas tem espaço para toda uma solidão encardida de vontades e decisões voluntárias. Sempre me senti bem aqui. Excepto neste dia.
Este é o quadro que pinto hoje, o fresco surrealista que absorvo exposto dianto de mim. Talvez seja uma distorção causada pela exaustão de um estudo prolongado, um esforço desmedido. Ou um mau-estar desenhado no papel da saudade. Não sei...
Só o grande recorte do quarto me leva para fora daqui. Uma grande janela, sempre ao nível dos olhos. Árvores, carros, ruas, o céu e pouco mais. Uma realidade. A realidade que consumo com longos olhares silenciosos e abstractos, todos os dias, ao longo desta clausura que escolhi.
Hoje visto-me de cinzento, de acordo com o tempo, o espírito e a alma. E o corpo, talvez...cansado, adoentado, fragilizado por um espirro ou um arrepio. Não passo o lápis preto pelos olhos, para me sentir mais invísivel, mais dedicada à condição de "estudo". Também não ponho perfume, aí talvez para um estar mais natural.
Estou cansada. Mesmo. E com um desalento camuflado por uma motivação que insisto em fazer sobreviver com sorrisos mal esboçados.
O quarto continua imóvel e sem expressão, mesmo depois de uma manhã atarefada, uma tarde absorta e um princípio de noite distraído. O quarto continua sem vida e num silêncio ensurdecedor. Ou serei eu?
Estou cansada...será só isso.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

O mundo dos olhares



Os olhos falam. Não com adjectivos, advérbios ou nomes comuns, mas com verbos abstractos que não reconhecem lugar nas letras do alfabeto. Acções conscientes e inconscientes. Tudo está lá: exposto, nú, à mercê das interpretações. Os olhos brilham. Têm uma cor que ofusca a mente, por ser tão irreconhecível e indescrítivel pelas rígidas convenções humanas. Espelho fiel de uma interioridade por vezes baça. E é só aí, no interior, que o olhar repousa, no seu lado mais comunicável. Ele consegue ir além de todos os limites que julgamos insuportáveis e mergulha em riscos que consideramos quase sempre incalculáveis. O olhar respira um ar mais profundo, originário de um universo que deveriamos preservar mais - a alma.
Há uma comunicação que se estabelece através do olhar, uma transmissão de mensagens poderosas, carregadas de signicações. Uma ligação que nunca poderá ser adoptada pela tão metálica e gélida "informática". A intensidade de um olhar nascerá e perdurará apenas com o calor da presença, com o sofrego do instante real e sem mediações. A força de um olhar nunca será medida sem a presença de um outro olhar, atento, correspondido, concentido.
Existe um mundo que se quer vivido com paixão e loucura, arrebatamento e desinibição. Um mundo do diálogo sem som e sem ornamentos...o mundo dos olhares!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Desabafos (ridículos) de estudante...


Estudar: aquilo que não parece, mas é!
Estudar é aquele acto díficil de começar. É aquele conceito que nos acompanha desde há muito e que rejeitamos logo que ouvimos a sua primeira sílaba. Até consegue provocar calafrios e expressões faciais desagradáveis. Ás vezes chega a dar voltas ao estômago e úlceras nervosas. Isto para não falar das noites mal/não dormidas, das olheiras, das unhas roídas, dos quilos perdidos, da má disposição permanente (e em casos extremos, depressões). Estudar faz mal à saúde do estudante, parece-me. É a base da sua razão de ser e, ao mesmo tempo, o fantasma dos seus dias. Há quem estude muito, há quem estude pouco, mas estuda-se sempre...nem que seja uma noite, uma tarde, ou umas horas!
Todos entendemos quando os mais-velhos-e-já-responsáveis nos dizem que estudar é o melhor que se pode fazer na vida. Quererão eles dizer "estudar mesmo" ou "não trabalhar" simplesmente? Hummm... Posso dizer que na minha vida, até ao momento, já estudei muito. Não demais, não de menos, mas o suficiente para os meus objectivos. Sinto-me "estudiosamente" realizada, diguemos assim. Mas acho que (ainda) não superei os meus limites, nem nunca fui/serei uma daquelas estudiosas arrojadas e arriscadas. Enfim, o normal.
Mesmo depois de tudo isto, arrisco-me a dizer que é realmente bom quando antingimos aquela fase de "estudar e aprender", ou seja, quando tudo o que tentamos assimilar, parece já meio assimilado na mente, à espera de um cimento para solidificar conhecimentos. Hoje percebo verdadeiramente o que se ganha com estudar. Ganha-se conhecimento concreto, libertação de linhas de pensamento (e não pedaços de matérias, frases feitas ou ideias desconjunturadas). Ridículo não é? Tardio, talvez.
Afinal, estudar é algo de extremamente enriquecedor na evolução de um estudante. Não parece, mas é!
O Primeiro!
Hoje tive o meu primeiro exame oral a sério, de toda a minha vida de estudante. É um marco (rídiculo, mas um marco!). Uma "primeira vez" em condições especiais: em erasmus, logo, numa língua diferente, com um sistema universitário desconhecido. Fora do ambiente "familiar" do aconchego tradicional de uma casa, um quarto, um habitat já completamente explorado. Poderei dizer que era uma etapa que receava, sem caír de novo no rídiculo? Ao ponto de tomar pela primeira vez um calmante para estudar e outro antes do exame? ...
Lá fui. Receosa, nervosa, ansiosa e preocupadíssima. Enfrentei o professor. Simpático, mas um professor. Pergunta 1: "humm...acho que sei. Deixa ver...pois...acho que é isto." Foram os sinais não verbais permitidos por um exame assim tão personalizado que me fez conseguir envergar pelo bom caminho da resposta. Uma das vantagens deste tipo de exame. Pergunta 2: "Merda...não compreendi o texto. Merda, não fui à aula onde ele mostrou este filme. Pânico: acho que nem sequer consigo ir lá por mim própria...eh...vou tentar". Assim foi. Não muito bem, mais acabei. "Ça va aller!". Palavras mágicas, sem nada quererem dizer.
O meu medo foi sempre mais o de enfrentar o professor, pondo a descoberto as fragilidades do meu estudo e menos o de chumbar (por causa do escudo que achamos que nos protege sempre, nós os erasmus, pelo simples facto de sermos "erasmus". Humm...precipitação/optimismo de erasmus???).
Senti-me como uma doente que aprendeu a lidar e até a ultrapassar a sua fobia. Ridículo uma vez mais
Um desabafo pouco interessante, ridículo até. Mas quand même, um desabafo de erasmus e de uma estudante-finalista que tem pela frente o fabuloso, maravilhoso, espectacular e super agradável: mercado de trabalho (ironia...pura!).

quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

Férias em casa...


De malas feitas e com uma ansiedade enorme no peito fui para o aeroporto de Bilbao... Destino: casa!!! Onde tudo me faz sentir eu, onde me sinto acolhida, protegida, mimada...
Foi tão bom chegar a Lisboa e ouvir à minha volta toda a gente a falar português, tão bom ver a Laura e apertá-la mto. Que bom ver a Lena e a Carlota, esperar pela Carolina, não conseguir conter as lágrimas de mais de 3 meses "separadas". Esperar a Ana, com uma verdadeira comitiva de boas vindas. Foi bom voltar a entrar na minha casinha de Olaias. Foi bom rever caras conhecidas e sentir o seu abraço... Soube bem entrar pelo portão da faculdade e ver que continua tudo na mesma (ainda que mts coisas precisassem de mudar ali...).
Mas bem bem, soube ver os meus pais, o meu irmão que andava deserto para me chatear um cadinho, a minha avó, que não sabia que eu chegava e que agarrou a minha cara com as duas mãos com força, encostando a testa dela na minha... toda a minha família...
E ir ao tasco? Xiii que saudades daqueles bocadinhos a jogar matrecos, a dizer disparates, a rir com vontade...
A minha casa tava igual, o meu quarto como o deixei...
Foi bom dormir na minha cama, "comer lume", como diz o meu pai, estar com a família toda junta, rever os meus amigos, sentir que a saudade que eu transportava tb era deles.
Férias em casa... Não foram perfeitas, mas foram boas demais...;)

Pequeno balanço da primeira parte...


Não posso dizer que a minha vida está toda em casa, no meu Arrabal ou entre Leiria e Fátima... Ao ir para Lisboa iniciei uma nova etapa, cheia de emoções e de experiências que me vão fazendo crescer mais um pouquinho... Ao embarcar nesta aventura de Erasmus sabia que ia para uma "outra LIsboa", mto mais distante mas desta vez ia sozinha e sem referência a coisa alguma ou alguém... Ia ser mto mais difícil, previa-o e acertei... Mas quando cheguei, consegui surpreender-me a mim mesma... Não chorei nem desesperei... Talvez por ter vindo para cá já com a ideia feita de que ia ser mto difícil para mim acabei por encarar o início bem melhor do que esperava... Tentei olhar todas as coisas cm se já as tivesse visto, sítios desconhecidos em lugares já meus, caras que começava a ver cm rostos familiares... Se consegui? Sim... olhar cm meu, sim, olhei... Sentir como tal acabou por se demonstrar mais complicado... A experiência é boa e recomenda-se sem dúvida... Apesar de todos os meus receios, sei que tinha de tentar, não me ia perdoar se não o fizesse... Mas a meio deste tempo fui atingida por uma pequena crise... Não me sentia daqui, os sítios não eram meus, as faces não eram as que queria ver, a escuridão desta cidade envolveu-me e deixei-me ficar uns dias na sombra, num silêncio apenas interrompido por pequenos soluços provocados pelo choro despertado de um sono que inicialmente estranhei mas que me fez sentir mais confiante. Acho que nesses dias libertou-se um acumular de sensações e sentimentos contraditórios...
Acabei por me deixar aquecer pelas réstias de um sol que já não brilha mto aqui nesta época do ano, agarrei-me às pessoas que tenho aqui e principalmente às que tenho smp na minha vida. Agarrei-me a mim própria e fui me puxando para cima, erguendo a cabeça... Agarrei-me ao pedaço de vida que fui construindo neste novo lugar...
As saudades não desapareceram mas o coração acalmou com a promessa interior de que o Natal ia ser em cheio...

Já com sede de voltar


Num pequeno instante, Louvain-la-Neuve espreita-me a mente.
Entra devagarinho e, sem pedir licença, acomoda-se lentamente...primeiro, num flash de imagens, depois numa panóplia de cheiros, recordações e desejos. A mente abre-se a este rapto de tranquilidade como se o ansiasse há muito. Deixa-se levar pela brisa do seu tempo frio, do seu Inverno mais branco, mais espectacular... Entre realidades conhecidas, imagens-padrão portuguesas, pessoas especiais e permanentes e momentos revividos como no antigamente, aquele espírito que se apoderou do meu ser aqui há uns meses revolta-se e pede mais. Carimba a saudade com as mais profundas linhas e cria um turbilhão de sensações incontroláveis. Este caminhar para a última etapa Erasmus quer-se lento, vagaroso, sorrateiro para o sabor ser verdadeiramente escrutinado. Quero sentir o ínfimo paladar de cada milésimo de segundo destas três semanas de Janeiro, para deixar esse mundo de multisabores cheia, "empanturrada", satisfeita. Nestes dias antes de recomeçar o fim da aventura, avisto já rostos lá deixados, sorrisos lá esquecidos, gestos lá habituais e uma lingua lá aprendida...e é com a mente plena de desejos de rever, revisitar e reviver todos esses elementos que me encontro. É uma sede de voltar que me mói e que me faz esquecer do amargo paladar que irei provar nos finais de Janeiro quando o adeus se tornar num "até sempre!".