quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A J.

A vida deixou a J. Acho que fiquei incomodada com a notícia e talvez por isso a almofada não me deixa dormir. Cruzei-me com ela duas ou três vezes entre amigos. Sabia onde morava, mas nunca a fui visitar. Morava aqui ao lado. A hipertensão pulmonar pareceu-me coisa séria e a coragem com que levou o problema a avante deixou-me pequenina. Nos dias em que ousava acordar mal com a vida, os problemas da J. e do A. serviam-me de limite. Todos os meus problemas me pareciam insignificantes e desprezíves. Ter a vida presa por um sopro, isso sim é motivo de alarme. Muitas vezes falei neles ao mundo, em quanto o seu amor era genuíno e em quão precioso era o olhar que trocavam em momentos mais difíceis. Encarei a sua entrega como exemplo. Quem não tem medo de morrer, não tem medo de nada, pensava eu. A J. não podia dar um passo. Não podia apanhar nem frio, nem calor. Era frágil, mas tão forte.
Mudaram de cidade na esperança de uma opinião melhor. Foram até à minha cidade. Cruzei-me com eles na passagem de ano. Moravam no final daquela rua das escadas que nunca mais acabam. Cheguei a imaginar que um dia a J. ia conseguir subir aquelas escadas de uma vez só. Mas não. A minha cidade não chegava para ela. E ela parecia precisar de tão pouco. Achei, erradamente, que a minha cidade tinha tudo. Mas não. Não tinha nem um coração, nem um pulmão para a J. Afinal Barcelona não é cidade encantada.
Resistiram. À distância, à saudade e à solidão. Soube, no último dia do ano, que tinha os melhores vizinhos do mundo. Que o seu gesto era inigualável e esperei que a sopa da R. trouxesse um sorriso à J. Já que o A. se contentou com uma Fanta Laranja.
Mais uma vez me senti pequenina. E tão inútil. A vida parecia valer tão pouco. O esforço com que levou todos estes dias foi uma verdadeira quimera. O A. foi incansável. Queria dizer-lhe, um dia quando voltar à casa aqui do lado, que não perdeu esta guerra. Queria dizer-lhe que a sua maior conquista foi o amor. E que tudo vai ficar bem. Embora já lhe houvessem roubado outro tesouro em tempos, na véspera do dia mais feliz da vida dos mortais apaixonados. Mas a vida é talvez a mais injusta das realidades, A.
Mas tu foste um lutador e a J. uma conquistadora.

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